segunda-feira, abril 12, 2010

Première Classe d'accueil, 25 avril, 2000.

Me lembro do primeiro dia de aula.


Dia 25 de abril de 2000.


Na verdade eu não queria ir ao primeiro dia de aula. Não por medo do desconhecido, mas pois amigos brasileiros que visitavam Paris iriam a Disneyland Paris e queria ir com eles neste dia.

Meu pai, sabiamente, vetou. É muito importante o primeiro dia de aula.


Era um cenário diferente. Uma escola francesa comum, no 17º arrondissment (bairro) de Paris. Mas era uma sala especial, para não-francófonos, ou seja, estrangeiros que, como eu, eram recém-chegados na capital francesa e não falavam francês. Resultado disso: a sala mais miscigenada que já vi na minha vida.

Gente do Marrocos, Argélia, Sri Lanka, Equador, Azerbaijão, Armênia, China, Brasil, Irã, Hungria e Polônia. Esse último país, especificamente, era representado por um único jovem, o Kamil.


Kamil era um sujeito engraçado. Logo no primeiro dia de aula, todos os pais estavam no Hall da escola com seus respectivos filhos. Mas Kamil não. Era o único loiro de olhos azuis do lugar e parecia uma pessoa deslocada.


Era tímido, conversava pouco e parecia ser o mais bem de vida dali. Logo na primeira semana, nos tornamos melhores amigos. A razão, acredito eu, seja que, dentro daquela sala com pessoas que vem de países tão antigos, com culturas tão diferentes, Brasil e Polônia eram muito parecidos. As referências eram quase sempre as mesmas, os gostos musicais batiam e a influência ocidental foi a mesma sobre ambos os países.

Ao longo do ano fui descobrindo a história de Kamil. Ele morava com a mãe e com o padrasto, também poloneses. A mãe era médica da organização Médicos sem Fronteiras, e já havia vivido na ilha de Malta e na Líbia, sempre levando o filho. Apesar de estar ali há 3 anos, não falava quase nada de francês. Era resistente à língua. Falava bem inglês e era assim que nos comunicávamos.


Ele tinha um certo problema de dicção que só fui perceber quando um outro estudante polonês, que já estava integrado aos franceses há um tempo, me disse. A língua polonesa, por ser derivada do eslavo, tem muito “R” na pronúncia, equivalente ao “R” na palavra “prato”. O som de “RR” do português praticamente inexiste no polonês. Acontece que Kamil tinha a língua presa e todos os R’s que falava, saia RR. Eu não notava, mas os outros Poloneses achavam engraçadíssimo.


Kamil era brincalhão e divertido, gostava de jogar vídeo-game e andar de patins. Chamava atenção das menininhas mas era tímido para abordar qualquer uma.


Junto com um outro brasileiro que também era da nossa sala, formávamos um trio, e estes eram meus únicos amigos aos 13 anos, quando vivi em Paris.


Como voltei ao Brasil repentinamente, perdi o contato com todos. Nem todo mundo tinha e-mail naquela época e tudo era muito informal, apesar de intenso.


Com a explosão das mídias sociais e o crescimento da internet, comecei a buscar os antigos amigos. Sempre imaginava o que teria acontecido com aquelas pessoas, onde elas estariam agora e como elas teriam visto minha partida. Através do Orkut, achei Ludovic, que apesar do nome francês, era o brasileiro (baiano) que estudava comigo. Estava maior, namorando uma russa e havia saído de casa. Fez internato na Normandia e agora estudava Direito. Perguntei por Kamil e ele disse que continuaram amigos após minha volta mas depois Kamil também partiu repentinamente para a Polônia, segundo sua mãe que havia ficado em Paris. A última esperança que eu tinha em achar todos havia ido por água abaixo.


A busca que se iniciou em 2005, procurando pelo Ludovic no Orkut, continuou após alguns anos. Ano passado estive em Paris de férias com meu pai e resolvi ir até o prédio onde Kamil morava. Me lembrava perfeitamente de onde ficava, rua, número, estação de ônibus e etc. Como em Paris não há interfone com número dos apartamentos e sim com o nome dos moradores, ficaria fácil achar o nome de uma polonesa ali.

Acontece que aquela região era uma comunidade de imigrantes poloneses e todos os nomes no interfone eram do tipo “Benedykta Trwalzcyks”. A sorte foi que uma mulher entrava na hora do prédio e ofereceu ajuda. Ela também era polonesa e se lembra de Kamil e sua mãe. Confirmou que Kamil havia ido para a Polônia mas sua mãe não morava mais lá. Ela não tinha telefone nem email deles, mas me forneceu uma valiosa informação: o sobrenome de Kamil. Kamil Dryl. Pensei “Ótimo! É só jogar no Google ou no facebook e pronto.” Mais um engano meu. Os resultados só mostravam um garoto de 10 anos de idade.


Já tinha desistido quando pensei “não é possível. Tem que haver uma maneira de encontrar essa pessoa.” O Facebook também não encontrava algum Kamil Dryl, só outras pessoas Dryl. Pensei: “Deve haver algum site na Polônia correspondente ao orkut, onde todas as pessoas se cadastram.” Procurei no Google o equivalente e achei: o Nasza-Klasa. Me registrei (com muita dificuldade em entender e depois de horas no Google translator) e joguei: “Kamil Dryl”. Voilà. O cara tava ali. Continua com aquela cara de bocó mas agora tem uma pinta meio pitboy. Mandei uma mensagem.


Como isso tudo foi ontem à noite, não obtive resposta, ainda.


O que eu mais temia quando voltei ao Brasil era perder o contato com as pessoas ao ponto de não saber mais o nome delas, onde moravam, etc. Existem pessoas ainda que gostaria de saber por onde andam, como a jovem Alice, francesa filha de chineses e que gostava muito de mim, como amigo mesmo. Me lembro que ela quis me dar um perfume de presente quando eu voltei mas não pude encontrá-la no último dia de aula. Nos falamos por telefone somente e ela nunca pôde me entregar.


Mas sinto que esse vazio se preenche aos pouquinhos e espero um dia saber onde todos aqueles perdidos, se encontraram.

Um comentário:

Caminhos do Turismo pelo Turismólogo disse...

Adorei seu blog. Tão raro encontrarmos escritos falando de pessoas, de afeto verdadeiro, sem ser bajulação. Apenas por gostar.
Eliane