quarta-feira, abril 01, 2009

Bon Marché

Acho que a maioria dos que não lêem esse blog sabem que uma das fases mais marcantes da minha vida foi a época que vivi em Paris, com 13 anos de idade.

Para os que não sabem, essa época foi realmente um divisor de águas na minha vida, onde vivia com a metade da família em uma cidade grande, louca, e fenomenal ao mesmo tempo. Não sabia quando retornaria ao Brasil e cada dia era uma nova descoberta.

Na minha leitura diária do excelente blog Conexão Paris, me deparei com um post que me fez lembrar muita coisa boa (quase tudo o que é escrito no Conexão me lembra coisa boa, mas esse foi especial). O post lista as principais feiras e mercados de rua de Paris. Tenho uma relação íntima com um deles, o Marché du Raspail.

No início do inverno do ano 2000, um amigo brasileiro nosso que também vivia por lá pediu um favor que aqui no Brasil poderia soar bastante estranho: substituí-lo como vendedor de jornal em uma feira de produtos orgânicos (Bio, como eles falam) por uns meses, enquanto ele viajava.
Enquanto em terras tupiniquins isso é visto com bastante preconceito, no velho mundo isso é uma atividade comum que a classe média pode passar. E te digo: é possível viver assim.

Por alguns meses, todo domingo, eu, meu pai e minha irmã acordávamos bem cedo, íamos até a praça da Bolsa de Paris, pegávamos os exemplares do Journal du Dimanche e íamos pro Marché du Raspail vender. Ficávamos em pé, entre as mesmas barraquinhas sempre, de 9h às 15h (ou até acabar os jornais). Vocês não tem idéia da experiência que isso foi.

Não me lembrava qual era o endereço nem a localização certa deste mercado. Era só uma lembrança na memória. Mas o Conexão Paris me deu as coordenadas, e lá fui eu no Google Maps me esbaldar com o Street View. E não é que a foto do Street View, na altura de onde fica a feira, foi tirada exatamente em um dia de feira? Está tudo lá: as mesmas barraquinhas, os mesmos canteiros (porque eles sairiam de lá, não é mesmo?), o café dos portugueses na esquina e o pequeno jardim. O lugar exato de onde vendíamos, com uma mesinha ao lado pra colocar as moedas de franco está aqui:


Exibir mapa ampliado

Errata: Fazendo os meus cálculos, eu não ficava exatamente aí. Não me lembro dessa árvore e minha área era um pouco mais larga. O caminhão está tampando a passagem onde vendíamos os jornais. Enfim, continua sendo aí o que era a minha alegria dos domingos.

Quando cansava, sentava no café da esquina. Tomava um chocolate quente e ouvia os imigrantes portugueses discutirem sobre a última rodada do futebol europeu. Todos bigodudos.

Mas o melhor dessa história toda era as amizades que ali fizemos. Amigos de feira, obviamente. Trocávamos Jornais pelos produtos das barracas (quando os proprietários aceitavam) e tinha domingo que voltávamos para casa com a feira toda feita.
Tinha feirante que trocava jornal por um quiche de queijo, outro trocava por torta de chocolate, outro por frutas e legumes e tinha o americano hippie que trocava por Muffins (receita própria e secreta, segundo ele). Ainda lembro do cheiro da torta de cebola na chapa, dos legumes frescos e das geléias de morango.

Esse blog está meio largado, mas a minha vontade de compartilhar isso com alguém foi muito grande.

Ontem mesmo mandei um e-mail para o meu pai, avisando sobre a descoberta:

"Pai, vê se você reconhece esse lugar no Street View do Google Maps.

Uma dica:

um jornal por um quiche."

Ele obviamente conferiu e me respondeu:

"Putz, que saudade!

Um jornal por um monte de coisa: chocolate quente, pão, frutas
putz, como existem experiências extraordinárias que dinheiro nenhum
pode comprar...

Nunca imaginei que poderia morrer de vontade de ter que acordar domingo,
às seis da manhã, um frio brutal e ter que ficar de pé naquela feira.
Tudo era legal, inclusive as moedinhas sendo trocadas pelos jornais.
Grandes momentos... estão vivos na memória.

Certamente logo vamos voltar lá para tomar uma taça de vinho
naquele bar da esquina e comprar aqueles produtos maravilhosos.

Se tiver alguém vendendo jornal vou comprar 10, e distribuir entre os
amigos.

Valeu."

O Marché du Raspail será uma parada obrigatória quando puder voltar à Paris. Espero encontrar o mesmo americano louco, os franceses da torta de cebola, os mesmo portugueses preguiçosos e quem sabe, alguém ocupando o posto que (orgulhosamente) já foi meu.

2 comentários:

Igor Faria disse...

Coment 01) Mêo, seu pai fala/escreve "PUTZ"! :D Que sensacional isso!

Coment 02) Meio hora procurando o tal do [s][/s], pra cortar um NÃO? Faça-me o favor... XD hehehehe

Júlia Zuza disse...

Ei Bernardo, é a Júlia amiga do Marcelo, blz?

Conheci seu blog e achei delicioso esse texto, consegui me ver na feira entre os legumes, jornais e quiches.

Certas experiências quando olhadas à primeira vista, não possuem nada de novo ou diferente, mas se revelam momentos muito fortes em nossa memória.

Adorei passear na feira.

Bj